NEM TUDO É LIBERDADE

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NEM TUDO É LIBERDADE
Crónica de José Pacheco

Liberdade: “Direito de proceder conforme nos pareça, contanto que esse direito não vá contra o direito de outrem.” in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

Este é o conceito que nos dá o dicionário, no entanto, interrogo-me, todos os dias, se é este o aplicado por todos nós, especialmente pelas instituições democráticas e por aqueles que nos deveriam servir.

Comecemos pelo início. Hoje comemoramos o Dia da Liberdade, ou seja, comemoramos o dia em que Portugal liberta-se de uma ditadura, liberta-se de uma guerra colonial devastadora.

Para os mais jovens, isto diz muito pouco, a não ser as histórias dos mais velhos sobre o antigo regime e as limitações da liberdade. Muitas destas histórias soam a um certo romantismo, mas se pensarem bem, os mais jovens, imaginem como seria não poder dizer o que está bem ou mal na vossa escola, na vossa universidade, na vossa rua. Pensem o que seria não poder estar num café a criticar a vossa Junta, Câmara ou Governo, nem que eu próprio poderia estar a escrever estas linhas publicamente. Claro que nem vos passa pela cabeça tal pensamento, até vos parece irreal ou fruto de um qualquer filme. Na verdade Portugal já foi assim e até bem pior. Mas será que mudamos assim tanto ou apenas foram mudados os protagonistas deste triste filme?

Na verdade, muitas coisas mudaram, até mesmo algumas garantias civis e laborais o que fez do nosso país e dos Açores uma nação e região mais modernas e abertos ao mundo. No entanto, pergunto-me todos os dias qual o preço que andamos a pagar por tudo isto?

Enquanto açoriano, vejo a minha liberdade democrática estrangulada todos os dias quer pelos Governos, seja ele qual for, quer mesmo pela tal Europa, que dá com uma mão, mas retira com as duas. Vejo todos os dias as nossas tradições culturais e religiosas serem transformadas em cartaz político e, pior que isto, serem banalizadas e retiradas das mãos daqueles que deveriam ser os seus verdadeiros agentes. Vejo todos os dias as intuições democráticas, as mesmas que nos deveriam servir como cidadãos, usarem os nossos recursos de forma dúbia, canalizando-os de forma perigosa para a maximização do lucro eleitoral, ou seja, votos. Vejo todos os dias as nossas comunidades serem geridas de forma casual e sem um objectivo de futuro que seja a construção de um património futuro que proteja e enriqueça as novas gerações. E por falar em novas gerações, vejo todos os dias os mais jovens serem tratados de uma forma paternalista criando um verdadeiro clima de irresponsabilidade e, pior que isto, uma ausência total de actividade, tão importante nos mais novos. Os mais jovens passaram a ser apenas instrumentos de uma suposta democracia, passaram a ser descartáveis. Retirando um ou outro bom exemplo, os restantes são meras marionetas a receberem ordens pelos cordelinhos que veem de cima.

Para muitos, o meu tom pode parecer duro ou crispado, mas dura é a realidade que vivemos em que a arrogância e uma total ausência cultura democrática deu lugar ao “aceita e não bufa”. No meu entender, substituímos um ditador por pequenos e medíocres “ditadorezinhos” que se espalharam e fizeram espalhar as suas ganâncias por todos os recantos.

Não há gente séria no meio disto tudo? Claro que sim, e até sou um forte defensor que são uma maioria, mas a minoria é muito mais poderosa e assustadora. Isto tanto é verdade que cada vez mais as pessoas de maior valor, no sentido político, afastam-se e fecham a porta a servir a democracia. Resultado, ficam lá os que sobraram e nem sempre os melhores ou mais bem-intencionados. Quando há tempos ouvi uma frase em que uma candidatura local seria “muito importante para a carreira futura” de determinada pessoa, está tudo explicado.

Devíamos ficar todos muito preocupados quando ouvimos constantemente a frase “no tempo de Salazar isto era bem melhor”. O Povo está a tentar nos dizer alguma coisa que seria bom ouvirmos com muita atenção. Como pista, lanço aqui o desafio a olharem para a participação eleitoral que é cada vez menor.

Finalmente, louvo e agradeço aqueles que, de forma séria e num sentido de serviço, empreguem o seu tempo e intelecto ao serviço da democracia e das suas comunidades, na maior parte das vezes em prejuízo da vida familiar, pessoal e profissional. Estes sim são os verdadeiros heróis da revolução ao contrário de um mar imenso de “papagaios” que por ai andam a dizer disparates todos os dias, pagos por todos nós e, claro, “legitimamente eleitos”.

Viva a Liberdade, mas resta-me apenas saber em qual das partes do conceito.

José Pacheco
25 de Abril de 2017

Nota do autor: 5 anos depois continua este texto a ser bem actual. Faz-nos pensar.