Todos sabem do especial carinho que tenho pela nossa cultura e pelas nossas tradições. Sempre entendi que a herança que recebemos deve ser legada aos nossos filhos e netos. É a nossa história, a nossa identidade, as nossas raízes, aquilo que nos torna diferentes dos outros povos.
Compreendo que, para alguns, a cultura possa parecer apenas entretenimento ou algo que não gera receitas ou retorno financeiro. No entanto, essa não é a visão que devemos adoptar sobre o mundo ou a sociedade. Uma sociedade equilibrada constrói-se com um pouco de tudo, atribuindo a devida importância a cada área, na medida certa. Nem todo retorno precisa ser financeiro, o dinheiro não pode, nem deve, ser o centro do mundo, como alguns insistem em fazer parecer.
Infelizmente, observo a nossa cultura popular a desaparecer gradualmente, sendo substituída por outras culturas importadas, muitas vezes por mera questão de moda ou circunstância. Acredito que há espaço para a convivência de todas as formas culturais, sem que ocorra um processo de aculturação em que umas exterminem as outras.
Entre as nossas formas mais genuínas de expressão musical e cultural estão as filarmónicas, muitas delas com mais de um século de existência. Nessas associações, não são apenas as notas musicais que importam, mas também a união comunitária, o verdadeiro elo que mantém a coesão de uma sociedade.
A recente obrigatoriedade de pagamento por cada cópia de partitura utilizada pelas filarmónicas gerou uma grande preocupação e ameaça à sobrevivência dessas associações culturais de enorme importância histórica e social. Esse encargo adicional impõe uma pressão financeira desmedida sobre as filarmónicas, que já enfrentam dificuldades para cobrir despesas básicas, como a manutenção dos instrumentos, fardamento, maestros e a conservação das suas instalações, entre outras.
As filarmónicas, sobretudo em zonas rurais e pequenas freguesias, representam um verdadeiro alicerce cultural e social. São espaços que reúnem pessoas de todas as idades, promovendo inclusão, desenvolvimento artístico e preservação de um património cultural inestimável. No entanto, a sua sustentabilidade é sempre frágil, dependendo de donativos, apoio público e da muita dedicação voluntária dos seus membros. A imposição de custos sobre as partituras agrava um cenário já delicado.
Aqui também gostaria de destacar o papel dessas associações culturais e musicais no combate às dependências tecnológicas e químicas entre os jovens e a comunidade em geral. Numa época em que essa luta se torna cada vez mais urgente, a música, a par de áreas como o desporto, é uma ferramenta essencial na prevenção primária. A cultura não deve ser vista como despesa, mas como um investimento numa sociedade saudável e equilibrada, capaz de enfrentar as adversidades.
As filarmónicas são frequentemente a primeira porta de entrada para muitos jovens no mundo da música, oferecendo um espaço para desenvolver habilidades musicais e um ambiente de camaradagem e disciplina que contribui significativamente para a formação pessoal. O valor educacional e social dessas associações não pode ser ignorado.
Ao exigir pagamento por cada cópia de partitura, cria-se uma despesa recorrente que pode impedir as filarmónicas de renovar o seu repertório e até mesmo de continuar a existir. A médio e longo prazo, esse custo adicional poderá levar ao desaparecimento de algumas bandas, o que representaria uma perda inestimável para a cultura e a identidade das comunidades das nossas ilhas. Essas associações musicais não têm fins lucrativos, o seu principal objectivo é educar, entreter e enaltecer a cultura local. Condicioná-las com custos adicionais para o funcionamento básico da sua actividade é, portanto, contraproducente.
As partituras não são apenas folhas de papel; são veículos de cultura, memória e expressão artística. Embora os direitos autorais sejam importantes para garantir o sustento dos criadores, não o contesto, é fundamental considerar a realidade de instituições como as filarmónicas, que não lucram com a execução das músicas e frequentemente realizam apresentações gratuitas ou a preços acessíveis. A música só existe se alguém a executar e a perpetuar no tempo.
Uma solução possível para mitigar o impacto dessa nova exigência seria criar uma política de isenção para associações culturais sem fins lucrativos ou instituir uma taxa reduzida, ajustada à capacidade financeira dessas instituições. O Estado e as entidades de gestão de direitos autorais poderiam trabalhar juntos para proteger os direitos dos autores sem sufocar as instituições que promovem a cultura.
A cultura de um país, ou neste caso, de uma região como a nossa, também se constrói com os esforços para manter vivas as tradições e os espaços de expressão popular. As nossas filarmónicas são parte desse legado, e é crucial que todos os agentes envolvidos compreendam o impacto das suas acções sobre essas associações. Preservar as filarmónicas é preservar um pedaço da nossa identidade e garantir que futuras gerações continuem a ouvir, nas praças e ruas, o som inconfundível das nossas bandas filarmónicas.
Este é um momento decisivo para reflectirmos sobre os valores que queremos defender: a preservação cultural acessível ou uma burocracia que, inadvertidamente, pode levar à morte lenta de um dos patrimónios mais belos e significativos das nossas comunidades.
Assim, ao rever as políticas de direitos autorais e os custos associados, é fundamental adoptar uma abordagem equilibrada, que proteja os direitos dos autores e, ao mesmo tempo, assegure a viabilidade das associações culturais. Simplificar processos burocráticos e facilitar o acesso a recursos são passos importantes para apoiar essas entidades.
Concluindo, a questão vai além do âmbito financeiro e toca no coração da nossa identidade cultural. Preservar as filarmónicas é garantir que continuemos a ouvir, nas praças e ruas, a melodia que conta a história e a alma das nossas comunidades. É uma responsabilidade colectiva que exige sensibilidade, compromisso e acção concreta de todos os sectores da sociedade.
Se nada for feito para travar essa ânsia desmedida por cada cêntimo, arriscamos destruir um património tão valioso como são as nossas filarmónicas.
A questão dos direitos autorais e a sua fiscalização deixa muito a desejar, algo que afirmo há bastante tempo. Tenho uma firme convicção de que esse dinheiro acaba, muitas vezes, no bolso de alguém que não é o autor, e, se a ele chegar, é apenas no final da linha. Essa é uma discussão que deixarei para outra ocasião.
Haja saúde e muita música!
José Pacheco
Presidente e Deputado do CHEGA Açores
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